Solidariedade a Mumia Abu-Jamal: Cine-debate com o filme MOVE

Cine-debate em solidariedade a Mumia Abu-Jamal e pela liberdade de todos e todas as presas políticas nesta quinta-feira, 19 de outubro. Será exibido o documentário MOVE (49m), seguido de uma roda de conversa. 
Mumia Abu-Jamal é jornalista e militante negro anti-racista estadunidense. Ex-integrante dos Panteras Negras e apoiador da organização MOVE, Mumia foi preso em 9 de Dezembro de 1981, sob a acusação de ter assassinado o oficial de polícia Daniel Faulkner, na Filadélfia. Ao longo de 20 anos de uma incessante batalha judicial, repleta de apelos por um julgamento justo por parte de personalidades e milhares de manifestantes, e apesar da constatação de inúmeras irregularidades em seu processo, a data de sua execução foi várias vezes marcada e depois suspensa. Por mais que as autoridades tentem tratá-lo como um criminoso comum, Jamal é atualmente, o único prisioneiro político dos Estados Unidos condenado à morte, embora não tenha sido o primeiro.
MOVE é um documentário sobre a Organização MOVE e a repressão que sofreram com as políticas racistas e brutais do departamento de polícia da Filadélfia e o sistema de justiça dos EUA. MOVE é uma organização revolucionária criada nos EUA que luta para proteger toda a vida pela difusão de informações e de resistência contra os sistemas que prejudicam a vida.  Eram ativistas que lutavam contra o racismo e a favor de questões ambientais muito antes do mainstream assumir tais questões. Em suas palavras: “A palavra MOVE não é um acrônimo. Ela significa exatamente o que diz:…. Movimentar, trabalhar, gerar, ser ativo. Tudo que é vivo se move. Se não o fizesse, estaríamos estagnados, mortos. Movimento é o princípio da vida. ”  Por causa de sua postura inequívoca, o grupo têm sido constantemente perseguido pelo sistema. A perseguição passou de espancamentos para ataques armados, e depois para o bombardeamento de suas casas. 
A atividade acontece a partir das 19h no Bonobo, na Rua Castro Alves, nº101, em Porto Alegre, RS. ENTRADA FRANCA.
19h – Abertura e confraternização
20h – Exibição do documentário MOVE
20h50 – Início da roda de conversa

Anarquismo nos Bálcãs

Texto: Absorto

Os Bálcãs despertaram meu interesse logo cedo. Talvez tenha sido a primeira guerra da qual tive notícia. Na metade dos anos 90, na época em que a guerra se desenrolou, eu tinha idade o suficiente para captar as mensagens que estampavam as capas dos jornais e busquei fazer algum sentido de todos aqueles corpos estirados. Lembro de minha mãe se esforçando para tentar me explicar o que eram os estupros em massa e como soldados eram capazes de tal barbárie. Estávamos de férias na praia, eu devia ter uns 8 anos e tudo isso teve um grande impacto em mim.

Anos mais tarde, conheci na internet duas pessoas que moravam na Sérvia e começamos a nos corresponder. Nossa amizade, ainda que virtual, foi forte o suficiente para que eu fizesse planos de viajar até lá, passando por outros países da região. A minha viagem para lá nunca vingou, e com o tempo perdemos contato, mas esses planos todos me deixaram familiarizados com a região.

Anarquismo nos Bálcãs

Recentemente tive a chance de participar de um debate com um anarquista vindo da Eslovênia que estava passando pelo Bra$il. Ele estava por aqui para o 3º Fórum Geral Anarquista, que rolou em Campinas em Junho e veio representando a Federação pelo Anarquismo Organizado da Eslovênia e Croácia. Depois do Fórum ele acabou viajando até Belo Horizonte para propor um debate sobre o anarquismo na região.

           A Eslovênia é um pequeno país na península Balcânica com apenas 2 milhões de habitantes. Como outros países dos Bálcãs, tem vivido uma onda crescente de movimentações anarquistas nos últimos quinze anos, impulsionada pelos movimentos antiglobalização e, mais recentemente, pelos impactos da crise e da austeridade.

Até então, não existia uma forte presença anarquista na região, com exceção da Grécia e Bulgária. Na Eslovênia, por exemplo, apenas se tem notícia de expressões anarquistas na Segunda Guerra Mundial. Nessa época anarquistas se juntaram axs Partisans – de tendência Marxista-Leninista – na luta contra a ocupação nazista. Após o fim da guerra, esses indivíduos foram duramente perseguidos com a consolidação da República Socialista da Iugoslávia, e o anarquismo só viria a ter um respiro novamente como parte da contracultura punk nos anos 80¹.

No início dos anos 90, durante a Guerra Civil da Iugoslávia, anarquistas tornaram a se organizar para combater o nacionalismo, em protesto contra a guerra e para trabalhar no auxílio das pessoas atingidas pela guerra.

Anarquistas no novo milênio

As grandes mobilizações contra a globalização econômica fizeram com que anarquistas voltassem às ruas nos anos 2000. Desde então, têm tido um papel crucial nas lutas sociais e grande influência na contracultura da região. Em 2011, assim como acontecia em muitas outras cidades ao redor do mundo, uma ocupação na praça em frente a Bolsa de Valores de Liubliana protestou contra o capitalismo internacional e o sistema financeiro. A ocupação durou seis meses e serviu para expôr as entranhas do capitalismo e suas inerentes desigualdades à todas as pessoas dispostas a escutar.

No final de 2012 uma revolta contra a instalação massiva de radares de velocidade em Maribor, segunda maior cidade da Eslovênia, tomou grandes proporções e foi reprimida brutalmente pela polícia. Em solidariedade, manifestações radicais tomaram o país e reivindicaram a queda de todos os governantes. Esse levante teve forte presença de anarquistas de outros países dos Bálcãs assim como da própria Eslovênia.²

Dois anos mais tarde, um levante como esse também chegou à Bôsnia, levando milhares de pessoas às ruas e culminando com uma gigantesca fogueira de papéis expropriados dos prédios administrativos do governo. Diferentes etnias se uniram contra todo e qualquer governo. De um lado do rio a sede do partido cristão, do outro a sede do partido muçulmano, ambas incendiadas numa demonstração de que os conflitos étnicos e religiosos agora dão um lugar à uma revolta generalizada contra todo o poder.

Enquanto isso, em Liubliana, duas gigantescas ocupações fazem notar a presença libertária bem no coração da cidade. A ocupação conhecida como Metelkova, com mais de 20 anos de existência, é um enorme complexo de prédios que serviam de alojamento para o exército nacional da Iugoslávia antes de ficarem desocupados. No início, ativistas tentaram negociar com a prefeitura um projeto de ocupação cultural do espaço, mas não foram ouvidxs. Pouco depois a cidade iniciou um processo de demolição do local e como resposta o complexo foi ocupado. Hoje em dia a cidade tenta legalizar o local, se utiliza da burocracia para tentar amortecer a influência radical da ocupação já que reconhece que não é possível desalojá-la por meio da força.

Desde o inicio, a ocupação do espaço é muito heterogênea. Com espaço para a contracultura punk, techno e artística, ginásios para treinos de artes marciais, cooperativas e salas ocupadas por diversos coletivos anarquistas, incluindo a Federação pelo Anarquismo Organizado da Eslovênia;

A Fábrica Autônoma ROG é a outra ocupação que divide o centro com a Metelkova. Ocupada em 2006, costumava ser uma fábrica das bicicletas ROG antes de ficar abandonada. Hoje hospeda várias iniciativas como bares, galerias de arte, ateliês, um centro social para migrantes e refugiadxs, espaços para shows, oficina de bicicletas e duas pistas de skate, sendo uma delas a maior pista de skate coberta da península balcânica. Em 2016 a cidade tentou desalojar a ocupação, mas enfrentaram uma rápida mobilização que expulsou a polícia, e os operários e suas máquinas que estavam prontas para derrubar os prédios. Na correria, algumas máquinas ficaram para trás e viraram decoração do pátio depois de pintadas de pink.

Aprender e Criar

A forte presença anarquista na região me surpreendeu muito e fiquei com a sensação que muitos dos desafios e aprendizados do movimento de lá podem servir de inspiração para o que fazemos por aqui. As manifestações de julho de 2013 aqui no Bra$il, por exemplo, sofreram de falhas muito similares aos problemas que anarquistas da Eslovênia e Sérvia enfrentaram nos seus levantes de 2012 e 2014. A longa experiência de luta contra o nacionalismo nos Bálcãs, pode nos render alguma reflexão quanto às táticas que iremos usar para frear a ascensão da direita brasileira. E também a importância de construirmos espaços duradouros e heterogêneos de contracultura, que sirvam como afirmação e prática radical de nossos sonhos.


Notas:
¹ É senso comum na Eslovênia que o movimento punk foi um dos principais motores da derrubada do governo socialista de lá.
² Os levantes levaram à queda do prefeito de Maribor e do presidente da Eslovênia, mas também à cooptação das assembleias de democracia direta, que passaram a ser organizadas por ONGs a serviço do governo.
³ Relato e análise sobre as assembleias e o levante na Eslovênia, parte da série de Crítica Anarquista à Democracia ainda sem versão em português → https://crimethinc.com/2016/05/11/feature-gotovo-je-reflections-on-direct-democracy-in-slovenia
Ótimo texto sobre os levantes na Bôsnia, também parte da série de Crítica Anarquista à Democracia

 

Oficina de Segurança Digital em Belo Horizonte

Atualmente a tecnologia permeia nossas vidas: temos smartphones em nossos bolsos, smartTVs em nossas salas, câmeras de vigilância por toda a cidade, reconhecimento facial no transporte público, e redes sociais para nos conectar a isso tudo. Mais do que isso, a tecnologia media boa parte das nossas interações: nossas amizades, nossas conversas, nossos eventos, nosso consumo e até mesmo nosso ativismo.

Todos os nossos dados estão expostos e sendo filtrados por métodos de vigilância de arrasto. Quando nos engajamos na luta para promover uma mudança social, nossos dados estão ainda mais em risco. É imprescindivel que tenhamos noções básicas de autodefesa digital e retomemos o poder de escolher o que queremos compartilhar e com quem.

Os coletivos Coisa Preta e mar1sc0tron promovem uma Oficina de Segurança Digital para Ativistas na Infoshop A Gata Preta, no sábado, 15 de julho, em Belo Horizonte. Vamos falar um pouco sobre a estrutura básica da comunicação pela internet, cultura de segurança, segurança da informação e ferramentas de autodefesa digital.

A Gata Preta fica no Edificio Maletta, na Rua da Bahia, 1148 sobreloja 35, Centro – Belo Horizonte.
A oficina inicia às 16h.
Traga seu computador e celular para instalarmos algumas das ferramentas que vamos estar apresentando.
A atividade é gratuita, mas haverá uma caixinha de colaborações espontâneas para cobrirmos os custos do evento.

A Feira Anarquista agora é todo mês!

Dia 03 de junho aconteceu em Porto Alegre a primeira Feira Anarquista. Um espaço de encontro, de troca, de construção que reuniu dezenas de pessoas ao longo do dia.

As pessoas que participaram nesse dia decidiram fazer da Feira Anarquista um evento espontâneo mensal, marcado para acontecer todo primeiro sábado de cada mês, das 14h às 20h na Praça do Tambor (ao lado do Museu do Trabalho), onde cada pessoa e coletivos são convidados a construir junto, seja levando comida ou bebida para um piquenique coletivo ou levando sua banca, propondo um bate-papo ou outro tipo de atividade.

A próxima edição da Feira Anarquista será portanto no próximo sábado, dia 1º de julho. Apareça!

Oficina de Segurança Digital Para Ativistas

O Coletivo Coisa Preta e o Núcleo Amigos da Terra promovem uma Oficina de Segurança Digital para Ativistas no domingo, 11 de junho, em Porto Alegre. A oficina busca fornecer informações e ferramentas para que ativistas possam analisar os riscos que correm e formas de tornar a sua comunicação digital mais segura.

O evento acontecerá na CasaNAT (Rua Olavo Bilac, 192 – Bairro Azenha) das 10h às 20h. Haverá almoço e lanche da tarde. A atividade é gratuita, mas haverá uma caixinha de colaborações espontâneas para cobrirmos os custos do evento.

Recomendamos para todas as pessos que querem se proteger da vigilância e da repressão que usem um sistema operacional livre e de código aberto. Por isso nos últimos momentos do evento vamos estar disponíveis para ajudar aquelas pessoas que tiverem interesse a trocar o Windows por Linux. Se você tiver interesse, leve seu computador e faça uma cópia de segurança (backup) dos seus dados.

Não é necessário realizar inscrição. MAS SOLICITAMOS QUE CONFIRME PRESENÇA PELO E-MAIL COISAPRETA@BASTARDI.NET PARA SABERMOS QUANTAS PESSOAS ESPERAR. Traga sua caneca e prato!

Feira Anarquista, sábado 03 de junho

Porto Alegre, RS, Territórios Ocupados Pelo Estado Brasileiro

Sábado, 03 de junho, das 12h às 20 na Praça do Tambor, no Centro de Porto Alegre.

Uma ruptura em nossas rotinas de isolamento e depressão. Um caldeirão de ideias para a libertação de todas as pessoas (humanas ou não). Um local de inspiração. Um ponto de conspiração. Um espaço para respirar. Um piquenique com a galera. Uma tarde comendo bergamota no sol. Uma tomada para recarregar baterias rebeldes.

No sábado dia 03 de junho vai acontecer a estréia da Feira Anarquista em Porto Alegre. A ideia é construir um espaço regular de encontro, de confraternização, de dádiva e troca entre anarquistas e simpatizantes. Todas pessoas e coletivos são bem-vindas para trazerem coisas que sabem, que produzem, ou recursos que possuem para compartilhar.

Você produz zines, cartazes ou outros materiais para divulgar os ideais libertários? Ou produz comida artesanalmente em sua cozinha para sustentar a sua luta contra o sistema? Você coleta frutas pela cidade e quer compartilhá-las? Traga sua banca!

Você tem certezas ou questionamentos que quer debater? Você sabe fazer algo que outras pessoas podem querer aprender? Organize uma oficina ou roda de conversa!

Você toca ou canta? Declama ou pinta? Atua ou dança? Venha mostrar sua cara!

Cronograma:

  • 10h30 – Assembleia – roda de conversa para alinhar a feira, onde expositoras, artistas, oficineiras e criminosos políticos se reúnem para se (re)conhecerem e decidir assuntos pertinentes ao funcionamento da feira.
  • 12h – Almoço coletivo – um panelão de comida pra encher a barriga de todxs, que conta com a sua generosidade para que ninguém saia no prejuízo. Hora de comer e confraternizar!
  • 12h – Montagem e início da feira! – Cada pessoa fazendo o que faz melhor e o resultado vamos descobrir juntas!

https://feiraanarquista.neocities.org/

3º Piquenique & Anarquia – 06 de maio

Mais um Piquenique & Anarquia vai acontecer no sábado, 06 de maio, às 15h na Praça do Tambor, ao lado do Museu do Trabalho.

Venha conversar sobre anarquismo e compartilhar comida, bebidas e idéias.

Como no último piquenique (confira relato aqui) decidimos organizar uma Feira Anarquista para o dia 03 de junho, no próximo conversaremos também um pouco mais sobre a organização deste evento.

Nativas Feministas Comem Tofu

Coisa Preta disponibiliza aqui este texto de Margaret Robinson que traz uma releitura ecofeminista e póscolonial das lendas Mi’kmaq como base para um veganismo indígena. Confira o texto abaixo ou baixe a versão em PDF.

Nativas Feministas Comem Tofu

Margaret Robinson

Nativas Feministas Comem Tofu
Margaret Robinson

Este texto propõe uma leitura ecofeminista pós-colonial das lendas Mi’kmaq como base para uma dieta vegana enraizada na cultura indígena¹. Tal projeto se depara com duas barreiras significativas. A primeira é a associação entre veganismo e branquitude.

Drew Hayden Taylor descreveu se abster de carne como uma prática de pessoas brancas (Taylor 2000a, 2000b). Em uma piada no começo de seu documentário, Redskins, Tricksters and Puppy Stew, ele faz a pergunta: “Como você chama um Nativo vegetariano? Um caçador muito ruim.” O ecologista Robert Hunter (1999) descreve as pessoas veganas como “eco-jesuítas” e “fundamentalistas vegetarianas”, que “forçam indígenas a fazer coisas do modo do homem branco” (p. 100-113). Ao projetar o imperialismo branco nas pessoas veganas Hunter legitima as onívoras brancas a se conectarem com as Nativas através do hábito de comer carne. Em Stuff White People Like, o autor satírico Christian Lander (2008) retrata o veganismo como uma tática para manter a supremacia branca. Ele escreve: “Como com muitas atividades das pessoas brancas, ser vegana/vegetariana permite com que elas sintam como se estivessem ajudando o meio ambiente e lhes dá uma forma meiga de sentirem superiores às outras” (p. 38).

Quando o veganismo é construído como uma coisa das pessoas brancas, aquelas pessoas das Primeiras Nações que escolhem uma dieta sem carne são retratadas como se estivessem sacrificando sua autenticidade cultural. Isso apresenta um desafio para aquelas de nós que vêem nossas dietas veganas como compatíveis cultural, espiritual e eticamente com nossas tradições indígenas.

Continue reading “Nativas Feministas Comem Tofu”

Relato: 2º Piquenique & Anarquia

A segunda edição do Piquenique & Anarquia, chamado pelo coletivo Coisa Preta, aconteceu no sábado, 8 de abril de 2017. Cerca de 20 pessoas compareceram, debatendo e conversando por horas a fio sobre os desafios de romper com o capitalismo e o Estado, o desafio de lidar com as novas tecnologias sem ser usado por elas, e de como não ficar teorizando e tentar colocar as ideias anarquistas em prática, tomando ações que potencializem a liberdade.

Dentro desse contexto foi proposta a realização de uma Feira Anarquista em Porto Alegre, para fortalecer os ideais e as redes anarquistas, difundir informações, compartilhar conhecimentos e recursos e servir de ponto de encontro e confraternização para anarquistas e simpatizantes. Os diversos coletivos e indivíduos presentes no piquenique irão procurar organizar e divulgar a feira de forma orgânica nas suas redes sociais e com os seus recursos.

Retomada Mbyá-Guarani – Relato da Reunião de Apoiadores

Depois de três dias e noites reunindo-se e conversando entre si, os Mbyá-Guarani de Maquiné chamaram para uma reunião as pessoas e organizações que apoiam a Retomada Guarani. Essa reunião aconteceu no domingo, 02 de abril, na nova aldeia Mbyá-Guarani de Maquiné (ainda sem nome), na área que antes era usada pela FEPAGRO – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, extinta pelas políticas de austeridade do governador José Ivo Sartori.

“Ninguém é sem ninguém.” – Cacique André dos Mbyá-Guarani de Maquiné.

Os caciques André, de Maquiné, e Cirilo, da Lomba do Pinheiro e representante dos Guarani de todo Rio Grande do Sul, demonstraram imensa alegria e esperança pela construção dessa nova aldeia em uma terra tão rica e fértil. Ao contrário das terras geralmente demarcadas pelo Estado – improdutivas, tomadas por monoculturas de soja e eucalipto, inadequadas para o modo de vida tradicional dos Guarani – a terra retomada para a construção da nova aldeia é coberta de mata nativa, árvores frutíferas e nascentes de água potável cristalina. Eles deixaram clara a intenção de resistir e lutar pela terra, indiferente do que o homem-branco e suas instituições decidirem.

Depois de breves falas dos dois caciques, abriu-se um espaço para que as apoiadoras e apoiadores se apresentassem. Apresentaram-se representantes e integrantes da Ação Nascente Maquiné (ANAMA), Associação de Estudos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM), Amigos da Terra Brasil, Jornal Já, diversos professores e estudantes dos cursos de antropologia e geografia da UFRGS, partidários do Movimento Raiz, fiéis de uma igreja (não identificada), além de várias anarquistas e moradoras de Maquiné que apóiam a retomada Guarani.

 “Não precisamos subir degraus pra ter poder, pra falar. Na nossa cultura qualquer criança pequena tem esse poder.” – Cacique Cirilo

Houveram algumas intervenções que informaram o andamento dos processos jurídicos. Sobre a liminar que pede a “reintegração de posse”, que retiraria a terra dos indígenas e as recolocaria nas mãos do Estado: um juiz de 2ª instância deveria se manifestar na terça-feira, 04 de abril. Mesmo no caso de o juiz ordenar a reintegração de posse, ela não deverá ser imediata, pois a Brigada Militar não pode interferir com os povos indígenas sem a presença da FUNAI e da Polícia Federal. Os apoiadores dos mbyá-guarani que estão acompanhando a questão legal apresentaram um certo otimismo.

Outra informação relevante é que um antropólogo da FUNAI iria comparecer a aldeia na segunda-feira, 03 de abril, para começar a levantar dados sobre a retomada.

“Por quê não nos dão uma terra boa para criar galinha, pra plantar batata-doce, pra não dependermos do Estado? É uma forma que o Estado cria pra nos dominar.” – Cacique Cirilo

Depois das conversas no turno da manhã, foi servido um almoço. À tarde os caciques retomaram a conversa, pedindo para os militantes do Movimento Raiz explicarem o que é esse movimento. Seguiu-se então um mini-comício do partido por cerca de 20 minutos, explicando os seus conceitos e suas aspirações. O discurso foi tão sedutor que o próprio Cacique Cirilo, ao fim, falou que já que os guarani estão recebendo apoio do Raiz ele não via por quê eles também não poderiam apoiar o movimento. Não ficou claro se o Cacique compreendeu que está lidando com um partido político, que está em processo de coleta de assinaturas para sua regularização para assim concorrer a cargos no governo.

Em seguida falou-se do levantamento de verbas para realizar dois encontros do povo guarani que eles consideram muito importantes para fortalecer a retomada. Aparentemente, o Raiz tinha ficado responsável por esta campanha, divulgando contas bancárias para que apoiadores fizessem essas doações. Parece que não chegaram nem perto do valor necessário – entretanto não se mencionaram valores, nem o quanto é necessário, nem o quanto foi arrecadado. Militantes do partido falaram então em realizar um projeto para conseguir verba através da Igreja Luterana. Nesse momento o Cacique André demonstrou sua frustração, explicando que não entende por que o branco faz tanto projeto e projeto e nunca faz as coisas de fato.

“As burocracias existem pra que a gente não consiga fazer nada.” – Cacique Cirilo

Aparentemente, o que os guarani precisam para realizar os encontros são muitas taquaras para construir o telhado de 20 casas, transporte para essas taquaras e para os guarani de outras aldeias possam ir ao encontro e alimentação para o encontro.

“O juruá (homem-branco) adora fazer reunião. É reunião o tempo todo. Eu não agüento mais reunião. Daqui a pouco vou ficar branco de tanta reunião.” – Cacique Cirilo

Conclusões

Os mbyá-guarani demonstram ter uma visão autonomista, compatível com os valores anarquistas (como dá pra perceber pela citações dos caciques ao longo deste texto). Eles estão recebendo bastante apoio na área jurídica e inclusive com doações de alimentos. Entretanto parece que em alguns aspectos o apoio à retomada encontra-se preso nas burocracias das instituições que os apóiam.

Embora anarquistas e outros apoiadores autônomos tenham tido um papel importante na solidariedade com a Retomada Guarani, com produção audiovisual, transporte, organização de campanhas independentes de arrecadação de doações, ficamos com a impressão que eles são meio que deixado de lado pelas instituições, das quais não percebemos nenhum esforço com o compartilhamento de informações e criação de uma ampla rede de comunicação e articulação para os apoiadores da Retomada. Por exemplo, falou-se de em caso de “reintegração de posse” pelo Estado, que todos fossem à aldeia prestar sua solidariedade com os guarani, mas não se falou de como se fará a comunicação para a difusão dessas informações para que um número significativo de apoiadores consiga comparecer de fato à aldeia. Quando perguntamos sobre a existência de algum canal de comunicação entre os apoiadores, as instituições foram reticentes e evasivas.
Também tememos que com a presença de partidos políticos, os mbyá-guarani possam ser usados e influenciados a apoiarem essas causas, que lhes são vendidas com as mais doces palavras.

Por essas duas razões – a falta de uma rede autônoma de apoio e solidariedade à Retomada Guarani, que faz com que muitos apoiadores não saibam como ajudar e se somar, e a presença de partidos políticos – achamos importante uma participação anarquista mais articulada e organizada.Sentimos que uma rede verdadeiramente autônoma é capaz de difundir as necessidades da Aldeia e engajar mais pessoas a se somar em solidariedade e defesa à essa retomada. Deixamos o convite para que entre em contato pelo nosso e-mail para construir essa articulação.

“Ninguém manda no Guarani. Ele que sabe como viver e onde viver. Somos livres pra ir onde quisermos. Os brancos não entendem isso.” – Cacique André


ATUALIZAÇÃO: o governo do RS pediu a suspensão da reintegração de posse por 30 dias para tentar negociar com os Guarani. Mais informações aqui.